22 de fevereiro de 2022

O sabiá que não sabia voar

A gaiola escancarou e o sabiá voou. A aparente forte construção num rajado se desfez. O pássaro então percebeu a liberdade. Por um momento ficou ressabiado, não queria acreditar. Piou a procura de sua proteção, mas percebeu que quem protegia o prendia. O sabiá achava que sabia sobre as coisas do mundo. Mas seu mundo era a gaiola. Ao sobrevoar seu primeiro voo livre observou que seu mundo não existia. Ou se existia era apenas uma construção da sua mente reclusa. Percebeu novas casas, árvores, pássaros e ninhos. Mas queria achar o que era pra ser seu. O seu lugar, o seu pensar o seu ser. No fundo o sabiá sabia o que era, só não tinha percebido sua autonomia pelas celas da gaiola que o prendia.

Cantou em alto e bom som os versos livres marcados a ferro e fogo na gaiola: 


“Me deixe livre, então,

Assim minhas asas voltarão,

Pra mais uma vez te sobrevoar”


Foi quando entendeu o significado da liberdade, imaginando o dia do sobrevoo por entre escombros aprisionados.

18 de fevereiro de 2022

Tem quem quer?

Sabe que tem.

Ninguém

Tem 

Nada.


Sabe se o teu

Que já foi meu

Interno e complexo

No peito eterno

Cessou?


Até então

Se o caos deixar

Sublimar

Sozinho

Eu vou.


Senti

Sem fim

Sumi

De mim

Enfim, de ti.


Queria, sim.

Estive

Pensando,

Mas acho que não

Sei lá.


Deixei

Fluir

Sem saber,

Porém,

O que vem.

Mas foi sem fim

Pra mim.

17 de fevereiro de 2022

Os sentidos hígidos

Sabe-se la de que jeito parece que os segundos rolaram. O silencio já não contorce, o monótono já não enfatiza todos sentimentos aflorados, a distância já não imobiliza. Não minto que gostaria da antiga opção, me fez bem, mas a insistência me soa humilhante. Não quero repetir antigos reflexos, de outros, em meu futuro. Não quero internalizar o que senti com outros e introjetar naquele essas sensações. Não vou. 

Os dias parecem ter voltado ao seu tempo normal, a náusea já não crucifica, a angústia está desnutrida e a vontade gritante da preguiça se faz ausente. Tento recobrar os sentidos, o tato, mesmo solitário, permanece inalterado, a visão, já não borrada, observa todos cantos, o cheiro já não percorre mais em mim e seu sabor eu já esqueci. Ou não. 

Mas o sexto sentido permanece ali. Enclausurado, esperançoso de um dia reviver o que vivi.

15 de fevereiro de 2022

Subsolo implodido

Porque a insistente perpetuação do ciclo álgico esconde o comodismo da rotina? Entender que as necessidades devem ser realizadas a benefício próprio e não apenas para satisfazer outros. De onde vem esse movimento contínuo de autoflagelo? Porque meu inconsciente permite que algo doloroso seja auto provocado? Em que momento eu parei de me importar em ser uma cômoda? O processo de entendimento, lento e penoso, fortifica a relação consciente x inconsciente; mas esse processo demanda tempo pra expor, tempo para ouvir, tempo para entender e aí sim conseguir edificar algo que antes era apenas um subsolo, guardado, nebuloso e frio. 

Ainda permaneço tentando entender. As ideias explanadas atingem internamente e por ali ficam dias, semanas, até que aglutinem. A repugnância por mim criada contra o próprio criador estabelece um empuxo, que junto a gravidade em contrabalança, me deixa estagnado. Mas ouço fundo, respiro com tudo, mudam as forças, a densidade, e volto, enfim, a superfície.

10 de fevereiro de 2022

Bateu forte

Tremor

Sudorese

Tontura

Não sei se é tua culpa ou daquilo.


Floreia

Interna

E calmamente

As entranhas num resplandecer amarelo.


Sorriso

Escondido

Amarelo

Acho que bateu.


Apatia 

Camuflada de

Euforia.

A maquiagem da felicidade.


Vou seguindo sem rumo definido, só seguindo. Pés arranhados, coração despedaçado, com vontades, desejos, intenções sem fim. 

Hoje em dia já não caem lágrimas, pode ser desidratação, pode ser anedonia, pode ser que já não sei, mas não importa. 

A garganta permanece entalada, as mãos a procurando contato, distante, os pelo ouriçados aguardando o momento e a boca em permanente salivação pronta para troca. Que não vem. E me lembra que nada sei.

9 de fevereiro de 2022

Roubou minha maresia

Ganhei um verso de um cara qualquer pela rua. Eram versos que se encaixavam, misturavam e integravam em meu corpo. Os dias passaram e em todos eles eu lia. E lembro como se fosse ontem o desejo de estar com ele. As palavras me abraçaram, envolveram, instigaram. Parece que tinham sido escritas pra mim. Tenho problema de memória por isso não decorei as letras. Poderia passar o tempo todo aficionado nessa obra que se encaixou comigo. Me fazia completo, sem eu saber que faltava algo. 

Fui pra praia saborear a brisa da maresia e contemplar as ondas quebrando, o sol se pondo, as pessoas passando. Levei junto comigo. O poema que admirava tanto. Peguei pra ler mas me escapou dos dedos. A maresia molhada tragou a folha. Levou pras ondas, quebrando em cântico. E eu fiquei exasperado, desconcertado e indignado. Perdi o pouco que tinha, os versos completos, as palavras envolventes, os gestos de carinho. Mas sentei na praia aguardando o mar recitar novamente os versos que eu amei. Esperançoso, de um dia, sentir tais palavras me rondando. Me dizendo que tá tudo bem.

8 de fevereiro de 2022

Atordoado me rendi

Atingido,

Atordoado, 

Sem sentidos,

Um rebuliço 

Que te aperta,

Esgana,

Engole

E cospe.

Uma saliva

Densa 

Ácida 

Cálida.


Retornou a si num momento, olhos ao redor esbugalhados, tentou achar a saída, a porta enferrujada, sozinho não dava. Mas que porra.


Sentei,

Conversei,

Expeli, 

Engoli

Seco.

Escutei,

Ouvi, 

Vendado.

Aceitei, 

Após recusas sem fim.


Sentei na cama, pés descalços, desnudo da alma, sozinho pelado, caindo aos pedaços, esperando o momento do ápice, pelo menos duas semanas.


Tomei de primeira

Pela primeira,

Esperando ansioso 

A ansiedade ter fim.

7 de fevereiro de 2022

O poço cavado sem fim

Onde estava quando me deixei assim?

Onde estava o eu durão?

Em que momento me joguei,

Sem ver?


Agora me vejo afogado,

Num poço sem fim,

Rastejando,

Tentando, de toda forma, subir.


As luzes em cima são claras,

Mas a fotofobia cega,

Aleija,

E me deixa em pura estática,

Sentindo, sem fim, o fundo que antigi.

5 de fevereiro de 2022

Tarefa incabível

Sumir e fingir não existir

As memórias latentes,

A voz,

O cheiro,

A vontade de abraçar,

Beijar,

É impossível.


Eu não quero esquecer,

Não quero forçar não lembrar,

Não quero não ver,

Nem quero não saber.


Os dias tão devagar

Sem voce,

Sem saber

De você 

Sobre você.


Espero que as memórias,

Inquietas,

Deixem de ecoar,

Deixem de gritar

Para que possa descansar,

Em paz.

4 de fevereiro de 2022

Esperado mas trucida

A vontade permanece enclausurada. Os fatos discorridos e traduzidos em palavras terminam de trucidar pra renovar. O processo complexo da reconstrução a partir das cinzas gera uma forte e tensa rocha transparente e inquebrável. Calejado, mais uma vez, por culpa própria, o diamante lapidado, se microscopicamente olhado, imperfeito se encontra. As vilosidades, espiculas e âncoras criadas temporalmente, invisíveis a olho nu, lá estão. Exercendo sua área, suas espinhas e peso continuando a degradar o que se achava intocável. As cicatrizes ativas retorcem, desfiguram e sensibilizam sobre o futuro. O mesmo de sempre, na liquidez interna se faz escorrer, e deixa vazar, sem se preocupar, com o conteúdo final.

3 de fevereiro de 2022

Chama finita de esperança

Estático

Apático

Catatônico

Lacônico

Censurado

Consumado

Consumido

Resumido

A

Nada.


A redoma redundante enclausurante sufocante, asfixia.